sexta-feira, 26 de abril de 2013

MODELO PARA PERFIL EM SITE DE RELACIONAMENTO




O site facebook insistiu tanto com aquela caixinha "sobre você", que a gente pega clicando no "sobre", embaixo da nossa foto de mural, que resolvi contar logo a verdade toda, rascunhei minha rápida biografia. Pronto, meu perfil está quase completo, hehe.

"SOBRE VOCÊ"
Sou negra, 1:80 de puro onix, cabelos encaracolados e longos, corpo de deusa grega, rosto de uma perfeição de fazer babar de inveja todas as mulheres do Planeta Terra.
Vim de uma civilização extinta por explosão de meteoros, o foguete em que me colocaram para preservação da espécie caiu em 1905 no Deserto Mojave [Califórnia, na América do Norte].
Devido a grande incidência de cobras por lá, não havia condições de vida, pois não me adaptei ao cardápio. Cobras são de difícil digestão e acabaram me causando transtornos no tubo endo, que aqui vocês conhecem como estômago. Tive fortes crises do que [vim a saber posteriormente] humanos chamam de azia.
Apesar de estar aqui desde 1905, não aparento a idade que tenho, graças a contagem diferente de tempo do meu planeta. Não sei como as terráqueas aguentam estarem velhas por volta dos 60, 70 anos.
De onde vim vivemos em torno de 800 sem aparentar idade. E é isso que tem me causado alguns transtornos neste planeta, sou obrigada a viver mudando de residência, de identidade, vagando de um lado ao outro deste mundo esquisito. Mas até que estou me saindo bem,conseguindo com facilidade, o povo daqui cria em menos de 24 horas qualquer documento que se queira, acho que é ilegal, mas quando sugo, com meu sensores pulsares, o papel que chamam de dinheiro [gosto de fazer isso em uns prédios denominados Bancos, lá tem muito! O faço invisível até passar por todas as barreiras] e os entrego a eles, riem igual crianças e me arrumam um caderno pequenino, de nome passaporte, já com vários carimbos, e aí vou de um canto a outro em naves bem diferentes das do meu planeta. Quase não cabe meus pés e fico chutando a cadeira da frente. Quando trazem refeições e as apertam entre as cadeiras, ou poltronas, fica mais complicado. Mas agora já aprendi a comer a comida daqui, só fujo dos cachorros, parece que em quase todo o mundo eles são tratados como iguais, praticamente venerados, só consegui provar o sabor na Costa Rica e na China, lá faz parte do cardápio.
Consegui, por uma passagem pela África, misturar meu código de formação e informação com o DNA de habitante local. Fui atraida pelo esplendor da cor do espécime, de onde vim somos todos de um azul puríssimo, aqui é meio confuso, tem muitas cores. Isso é estranho. Deve ser porque são muito rudimentares ainda. Mas, não quero falar mal de onde estou abrigada e escondida, foi um desabafo tolo. Só agradeço a compreensão, o povo é muito amistoso. O espécime homem então é de uma cortesia, vivem me convidando para jantares, me dão umas plantas esquisitas amarradas num ramo, o nome desta planta é flor, mas tem vários tipos todos são ruins de gosto. Não me adaptei a comê-las, prefiro uma coisa que eles pedem e chamam de massa, também tem vários tipos e todos são bons. Para beber usam uma bebida que pode ser branca ou vermelha, dependendo da comida, vinho, eu acho. É muito bom, podem tomar que vão gostar.
Devo ter adquirido alguns hábitos da gente daqui, pois passo tranquilamente por nativa.
Como devo ficar ainda uns 700 anos neste planeta atrasado - ninguém fala em foguetes, viagens ao espaço, se existe deve ser confidencial, não tenho como descobrir um lugar mais avançado tecnologicamente neste Universo - Vou tentando me inserir, vez por outra cometo um negócio que eles dizem ser gafe, como no dia que comi umas rosas amarelas na recepção do presidente de um país que parece que manda em tudo. Engasguei e perdi uma noite com ele fazendo uma coisa estranha chamada sexo. Não é ruim, mas também não é bom, é só esquisito. Torce o corpo pra cá e pra lá, se vira de ponta cabeça, tudo muito doido. Depois o espécime homem dorme de boca aberta, fazendo uns ruídos bastante incômodos.
E não posso esquecer de dizer que amei esta máquina de conhecer gente, não importa onde morem, você aperta o botão da seta na foto e a pessoa entra na sua tela e aí conversa muito, como gosta de escrever e falar este povo!
No meu planeta não vi isso, já deveria ter sido jogado como lixo, no buraco do Universo, quando nasci. Os seres de lá só precisam pensar no outro, que este aparece, imediatamente, bem na sua frente.
Pena que tenho receio de usar meus atributos aqui, posso ser interpretada de maneira errada.
Bem, espero que seja isto que este quadradinho queria saber quando se intitulou "Sobre Você". Achei que o você, no caso, era eu, acertei?


[elza fraga]

Foto: Imagem de modelo branca, escurecida artificialmente para a matéria da Revista francesa Numéro, retirada da Net

quinta-feira, 18 de abril de 2013

CRIANÇA TEM FARO



Criança tem faro, dizia a mãe em suas reclamações.
Farta em maternidade, tinha sete, sabia do que falava!
Elas sentem o cheiro da sua fragilidade e atacam com os pedidos, um tal de mãe quero isso, mãe quero aquilo.
Sentem o cheiro da sua brabeza e se escafedem, só espiam de longe, medo de broncas nem tão indevidas.
Na sabedoria das avós, mães em dosagem maior, a gente não sabe porque está dando o carão, mas as crianças sabem porque estão levando.
Sentem o cheiro da sua sensibilidade e se aconchegam pros cafunés. Aí tudo podem, e um avisa ao outro que a mãe hoje está pra conversê.
Sentem o cheiro do seu medo e se acuam, medo contagia como doença das brabas. Se encolhem, ficam minúsculos pontinhos, só olho de fora!
Sentem o cheiro da sua animação e se vestem de festa. A algazarra come solta. A vida fica toda colorida como se, num passe de mágica, todos os lápis coloridos caissem sobre o mundo e rabiscassem tons alegres e os nem tanto.
Sentem o cheiro da sua inquietude e espiam pela janela a chegada dos faltosos: "Cadê o pai, manhêêê, por que 'tá demorando?"
E aí, um belo dia, elas crescem quando menos se espera e a mãe desespera.
Cadê as crianças que estavam aqui?
O gato comeu!

Só deixou gente grande, tudinho sem faro, em seus lugares.
E a falta da molecada trabalhenta rói as tripas, até largar a mãe no osso, pedindo arrego à vida e remexendo o baú do passado atrás da gurizada... Querendo tudo de volta.

[elza fraga]

sábado, 13 de abril de 2013

SERÁ O APOCALIPSE?



Estamos entrando num mundo novo, e, por novo, desconhecido e amedrontador.
Vejo coisas, ouço coisas, sinto medo, mas não quero me esconder nas cobertas da cama pra toda a eternidade.
E o que é o meu pavor para as mentes sem limites que planejam nosso futuro?
Sim, se a gente teimar em pagar pra ver e continuar vivo, este futuro tenebroso será nosso também!
Cada dia menos um "isso pode" e mais um "isso não pode".
Cada vez mais aumenta o bloco dos intolerantes em todos os campos.
Tomaram de assalto as esquinas da vida e ocuparam todo o espaço cedido pelos nossos pés recolhidos

Os preconceituosos, na surdina da calúnia, tentando descalçar reputações para dominar melhor o quinhão já abocanhado.
Irmão contra irmão. Credo contra credo. Cor contra cor. Raça contra raça.
A turma dos perfeitos contra os "diferentes".
A diversidade apedrejada por cada um que acha a sua verdade a única e inquestionável.
Não é confesso, é tudo feito as escuras!
O ato do desamor e da segregação é solitário e escondido em almas e mentes que se acham "superiores e poderosas".
A intolerância escapa pelas beiradinhas, quando tentamos abafá-la ela se retrai, se apaga temporariamente como arquivo morto, pra ressurgir à frente, imbuída de mais força e mais comandados!
E segue a legião de zumbis atrás dos líderes desta insânia.
As feras começaram a mostrar os dentes!

E eu me sinto tão criança, tão desprotegida, apesar da idade estar avançando rápido e me engolindo no tempo que não empaca nem pra respirar, corre maratona feito louco.
Não sei me defender e choramingo com medo do bicho-papão moderno e sua corriola de terrores noturnos, os monstros que moram atrás das cortinas e se aproveitam do silêncio das madrugadas pra pegar quem não dormir.

A internet joga fatos e boatos, como uma doida sem camisa de força, nada pode deter seu poder de noticiar, propagar ou inventar, afinal moram homens dentro dela.
Não entende que nossas modestas cabeças não conseguem digerir tanta informação estranha, caindo como raios riscantes sobre o cérebro já embotado pelo terror do que ainda pode vir.

E os jornais se tornam ameaças reais:
Abro ou não abro? Leio ou não leio?
Com que notícia hoje eles farão da minha insônia uma tensa e dolorida corrida de pensamentos desencontrados?
Assino quais manifestos?
Participo, ou não, de passeatas?
Rezo ou tremo frente a tantas novidades tortuosas?
Choro por mim ou por eles?
Quem vai ouvir meus pedidos de que seja só um pesadelo, e vai me acordar num solavanco salvador?
Fico ou desço do mundo?

Quando invadirem minha cabeça com o bendito apagador de memória, elevarei a última prece que restará registrada e agradecei por estar me tornando mais uma na fila dos sorridentes vazios.
In nomine Patris, et Filii et Spiritus Sancti. Amen.

[elza fraga]