sexta-feira, 27 de maio de 2016

A DECLARAÇÃO QUE NÃO VEIO



Precisei viver uma vida inteira, e mais um pouco, para me dar conta de que nunca tive, ao pé do ouvido, uma declaração de amor.
Nem de amor possível, nem de amor impossível, nem de amor que se desespera em atos ridículos, nem de amor incondicional, nem de amor de qualquer espécie humana.
E ao descobrir isso me deu um vazio meio esquisito não no coração, mas na boca do estômago.
Estranho!
Qual será, ou seria, o órgão responsável para digerir o amor?
Ou para dirigir o amor ao setor competente?
Ensaiei uns segundos de tristeza, não acertei bem personagem triste, sempre me soube alma alegre, apesar de ter constantemente um temporal ou uma enxurrada na porta da casa do meu espírito, que nem se molha, deixa o problema pra matéria resolver e se secar sozinha ao sol, se quiser, e quando o bendito voltar a brilhar após a tempestade.
Dois motivos já acumulados pra melancolia:
1- A falta da tal da declaração de amor pra eternidade. Meio utópica essa querência, mas que faltou, faltou!
2- E lembrar que chove muito mais na minha horta que na horta alheia, e vivo com meus pés plantados num chão incerto, meio instável. Então com certeza não poderei colher verduras de esperanças, só o amarelado da mostarda que amarga a vida do
desassistido pela sorte.
Descartei os dois, resolvi que continuo feliz, apesar de esbagaçada feito mexerica caída de madura. Um dia todos os gomos se recompõe, se ajeitam, se acertam, se refazem. Viro fruta inteira novamente.
Quanto a me preocupar com a declaração de amor que não veio e com a falta de sorte, já passou, nem doeu, soprei, dei um beijinho na própria alma e me toquei do fato de que vivo uma vida de fazer inveja a qualquer Alice, meu país interior é o das Maravilhas, não é pra qualquer humano habitar.
Foram tantas as demonstrações de amor, amizade e lealdade vinda de raças diferentes, não raças de outros planetas, mas daqui mesmo, do planetinha azul.
Cães, gatos, borboletas e passarinhos sempre me tiveram em seus círculos de amores.
E crianças, pois acho que só depois que se cresce é que se vira humano e que se contamina a essência.
[elza fraga]