sábado, 26 de novembro de 2016

E EM VERDADE VOS DIGO SÓ AQUI EU ACHO ABRIGO.


Ontem, depois do susto de uma queda bruta de pressão que me deixou fora de combate por todo o dia, me peguei avaliando o que temi durante o episódio, se é que foi temor o que senti.
A morte com certeza não foi, já estive na presença dela por meses seguidos, época em que desejei que ela vencesse a batalha, por puro cansaço de lutar com coisa tão ardilosa. Mas foi só dar meu aval na forma de “ok, você venceu, pode me empacotar pra viagem”, ela simplesmente, caprichosa que só, me deu as costas e foi cantar noutra freguesia. Vai se entender a dona Morte... Mulheres, bah...
Então o que me causou o desconforto e a apreensão?
O fato de não ter feito, ainda, nem a metade do que me programei?
Ou será que foi esse meu amor enorme a natureza com seus pássaros cantantes e flores coloridas?
Talvez essa inquietude de largar uma vida que está correndo nos trilhos certos pra me arriscar do outro lado do véu, onde nem sei como está minha caderneta de débitos e acertos?
Ou pena de abandonar os que amo, mesmo que não me voltem amor na mesma medida?
Descobri que o que me deixa nessa fissura de aqui permanecer é a descoberta que a vida só começou a ficar gostosa agora no final do jogo, aos quarentinha do segundo tempo, o juiz quase apitando o final e eu em campo, com pernas ainda pra correr mais noventa minutos, prorrogação e pênaltis.
Uma dolorida pena de ter que largar tudo que me é familiar pra buscar outro horizonte, outro time, um outro modo de poetar.
Quem me garante que acharei nuvens tão fofas quanto a minha cama?
Estrelas tão brilhantes quanto meus amigos de abraços?
Um cantinho lindamente azul como o planetinha que me abriga, com música de violão bem tocado, poesia em recitais movimentados e de qualidade, e um jardim só pra mim?
E os abraços? E os poemas? E os afetos?
E as flores, os beija-flores, os dias de sol, a harmonia das cores do ocaso, a mansidão do mar me lambendo as pernas, as crianças e sua doce algazarra?
Como virar as costas e largar isso sem derramar nem uma lagriminha tímida e disfarçada?
E aí me peguei pedindo mais um tempo, por pequeno que seja, mas completinho de tudo que amo, cheio da beleza que aprendi a admirar pelas manhãs e tardes de sol, pelas madrugadas de lua e estrelas, e até pelos dias de água caindo do céu, me escorregando pela cara, me fazendo sorrir ao sentir o gostinho bom da chuva na boca.
Não é medo, dona Morte, nem respeito, nem covardia, nem nada disso que se prega de rótulo, é só amor mesmo por essa terra que me deu a vida e que me dá poesia dia sim outro também.
Quem me garante que o planetinha luz, lá do outro lado, tem passarim cantando, flor abrindo em amarelo ou nuvem brincando de esconder o sol?
Se tiver pode marcar a passagem, se não tiver me deixe por aqui mesmo, aquietada no meu canto, com meu amor, minhas canções e poesias, meus abraços apertadinhos e minha mania tola de correr atrás de luz.

[elza fraga]

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

DEPOIS DO SUSTO A BONANÇA


Agora serei para sempre politicamente incorreta.
Quero da vida só o lado divertido. Aquele ladinho que faz cócegas nos flancos, se é que me entendem, que causa frisson, que faz a alma gritar ‘up’ no susto do arrepio.
Nada mais de comportamento pra tirar um dez, ou um A com louvor.
Prefiro o fundo da sala, a turma dos que não estão nem aí pra compromisso. O lado leve, e solto, e desvinculado do bom senso, e urgente em pandegas e risadas, e zombeteiro. O lado que sabe o quanto a vida é breve pra se ser sério, e pentelho, e chato, e cobrador, e arrumadinho como jogo de tabuleiro antes do começo da partida. Esse é o meu grupo, a minha turma, a minha tribo, a classe dos jogadores que gostam da partida do meio pro fim, e sabem saborear esse pedaço que muitos querem longe.
Não sou de começos, sou de urgências! Não sou de anuências, sou de desafios! Não sou de racionalidade, sou de loucuras sadias!
E sigo nessa estrada maluca, girando feito carrossel sem controle, subindo e descendo mais que roda-gigante, virando ponta cabeça como montanha russa e me assustando com as quinas do tempo igualzinho trem fantasma.
Não sei muito bem em que porto chegarei, nem quando, mas sei que ancorarei em alguma estrela com o maior sorriso de beatitude que já se conseguiu nesse mundo, porque minha carta de navegação é ousada, está desenhadinha com todas as setas, coordenadas, latitudes e longitudes, só que agora, perdón, entreguei o comando ao piloto automático, me recuso a segurar o manche.
E sigo sem responsabilidade, sem saber quantas horas restam de autonomia, sem me preocupar em ler meu mapa de navegação, principalmente o pedaço que ensina a fugir de turbulências, zonas de rodamoinhos, e buracos negros.
Vou e voo. Desço e plano. Navego, submarino, em águas profundas, se o céu não me quiser.
Se me estabacar em solo duro podem me deixar no chão, não me recolham os cacos... eu rastejo, faço um parto de novas asas, reaprendo a voar. Só não sei se me reinvento de fada ou de bruxa, mas o retorno é sempre certo. Sou muito boa em finais felizes. Sempre fui.
#ViverÉMelhorQueSonhar
[elza fraga]
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