quarta-feira, 30 de junho de 2010

A HORA DO ENTENDIMENTO

 ...
Ele não mais a atenderia. Ela sabia com uma convicção dolorida e estranha.

Passara em revista todos os seus últimos atos atrás do que poderia ter gerado aquele desprezo, aquele abandono, aquele tom mordaz e frio da conversa derradeira.
Telefonar seria inútil, havia a tecnologia batizada de bina, invenção humana para se atender apenas
os que interessam por um motivo ou outro.
A mola que move o homem sempre não foi essa? A do interesse em se levar alguma vantagem?
E ela nada mais tinha a oferecer a não ser a própria morte a se aproximar sorrateira, sinuosa, fingindo que estava só por perto para assustá-la.
E quem é doido de atender e entender a moribundez do outro ser humano?
Ele é que  não era !

Melhor mesmo pra ele era ficar calado, do outro lado do fio, a espreitar o número que o visor mostrava.
Bem que tentara esconder que havia um espião a lhe confidenciar que o número do visor era o dela.
Falhara na tentativa por confiar demais na sua boa estrela.

A morte não é boa companheira para quem se pensa apenas na metade do caminho.

Mal sabe ele dos critérios que movem a mão do que faz a tão temida lista.
Não é com certeza a ordem de entrada neste mundinho complicado, tem muito detalhe que nos escapa
que não nos é dado saber, não é da nossa competência.

Mas ela  agora sabia, como se o véu se descortinasse total e rapidamente a sua frente,
o medo que o afastara  não era ela e seu cheiro de morte,

era a consciência de que um dia a morte se aproximaria dele também,
por mais que corresse, e, como estava fazendo agora, com ela, faria com ele.

O abraçaria pra sempre.

(Elza Fraga)

UMA VIDA NA CHUVA

...
Em um dia de chuva forte ele partiu. Os raios rasgavam o céu negro. O barulho do trovão vindo do lado oeste ecoava dentro do quarto escuro. A energia que faz a luz se fora, como a sua.
E do meio do medo e do caos em que -sabia - aquela falta iria, para sempre, transformar o que seria futuro, só conseguia pensar em uma única coisa:

Será que ele levara a capa de chuva?

(Elza Fraga)