terça-feira, 25 de outubro de 2011

A LOUCA DA PRAIA



Estou aqui lendo, me informando, me formando na matéria mais difícil. 
O triste e solitário aprendizado de pular os muros que a vida teima em ir construindo a minha frente.
De meia em meia hora dou uma parada, alongo, tomo uma golada de ar e retorno.
E me pergunto se isso é o que valerá a pena.
Se não estou perdendo vida enquanto acumulo informações,
cultura vazia, diplomas de vento.
O que eu quero realmente pra mim?
Saber porque o mundo gira perfeitamente encaixado e ainda não caiu na minha cabeça?
É essa a minha meta?...Saber além da sabedoria e ciência permitida e desvendada?
Pra provar o que pra quem?
Provar que sou capaz de mais saber pra me bastar?
Será que é importante o eu me bastar?
Enquanto faço a paradinha de dez, quinze minutos,
não posso deixar de pensar na inutilidade disso tudo.
Tanto sacríficio, tanta vida escoando vazia de vida,
vazia de afeto, vazia de amor. Pra que?!
Será que alguém vai lembrar de colocar no meu caixão,
quando eu me for, os meus saberes em forma de certificados
disto ou daquilo?!
Será que alguém vai lembrar, num discurso, o quanto e como
me esforcei e perdi noites debruçadas sobre leituras vagas, filosofias baratas?!
Queria ser uma analfabeta muito amada, com um cara que falasse "pobrema" a toda hora, 

mas me amasse e passasse isso no olhar, no beijo, no riso. 
E me segurasse e prendesse como só os brutos sabem prender uma mulher.
Um homem que me olhasse e o olho brilhasse só por me ver, descabelada, suada, 

arrumando plantas numa nesga de jardim de qualquer barraco, pendurado num morro destes da vida.
E que me elogiasse, e me chamasse de linda, e me pegasse
de jeito, e me fizesse amor nos lugares mais inusitados,
como uma cozinha, com teto de zinco esburacado,
mostrando o negror de um céu de tempestade, enquanto a chuva caia e o susto de desmoronar tudo 

nos arregalasse o gozo e nos deixasse com mais gana, amando como animais no cio, 
sabendo que a qualquer momento
poderíamos estar ali, estupidamente mortos, soterrados
por barro e lama, olhos esbugalhados no estertor do
prazer, e não no da morte, pois seríamos já acostumados ao risco.
E morrer de prazer seria apenas o final da espera do que já sabíamos de outros tempos, de outras vidas, de outras eras.
Um homem com mãos calejadas, coração enorme, sorriso escancarado, mas que soubesse exatamente onde mora 

o prazer do meu corpo.
E o despertasse com as mãos rudes e inquietas.
Talvez isso fosse o destino perfeito, o que joguei fora ou nem procurei.
O que me faria saber preenchida... Pois esta vazia certinha, em que me tornei, cheia de não me toques e porquês, 

não me atrai mais.
Quero jogá-la fora, mas se agarrou de uma tal maneira a
minha casca, a minha pele, que virou a minha extensão perfeita. A vestimenta do luto!
Não me abandona e não me deixa seguir. Marca passo junto comigo.
E isso faz uma ansiedade de ludibriá-la, sair escondida a deixando trancada.
Ir para o mundo me premiar de gandaia.
Correr no tempo, despir-me de mim e correr nua na chuva,
me doar ao primeiro, e voar como louca, gargalhar insana
e me perder e me achar...
Depois, retornar a este pesadelo e prisão, de vida pré
moldada, mas guardando no fundo do corpo o prazer
de ter sido, uma única vez, amada de verdade,
como toda a mulher deveria e merece ser amada.
Depois teria ao menos uma lembrança pra carregar,
doce fardo, pela vida afora.
Sentaria na praia, com o olhar de louca, olhando o final do mundo, lá onde o horizonte se curva 

e as embarcações desaparecem, com um sorriso tatuado de recordação
do que foi efêmero e eterno. Importante e descuidado.
Valioso e vulgar...
E balbuciaria palavras desconexas mastigadas do gosto de visões de deuses.
E os passantes diriam:
Aquela é a coitada que numa única vez se emprenhou
de vida, a cabeça não suportou!
E cuspiriam os seus sorrisos de desdém na minha enrugada face.
E se iriam, felizes, pois eles sabiam que possuiam sanidade.

Mas eu, só eu, sabia o que possuia, o tesouro de ter me

dominado e me feito plena numa lua qualquer...
Numa noite qualquer... Com um homem comum e qualquer.
E isso me bastaria, até o final dos tempos....
(Elza Fraga)

Publicado em: 01/06/2007 22:56:54

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