quarta-feira, 28 de abril de 2010

A TRAIÇÃO

Sabia que ali tinha coisa! O cheiro estava no ar, era só respirar, nem precisava ser fundo,  que sentia algo entre o sujo e o fedido.
Fingiu que não percebeu, assobiou, limpou a gaiola do passarinho, pegou o jornal no quintal, colocou na mesa.  Tudo igual, todo o dia igual, rotina!

Tomou seu café, fraco como água de calcinha, não reclamou, se comportou como o cavalheiro que nunca tinha sido.
Esperou ela sair do quarto como fazia sempre, depois era a vez dele.
Banho, troca de roupa e batente, ganhar o pão da vida.

Geralmente quando ele saia ela já tinha entrado no ônibus,
casa da madame, faxina, explicava ela.
Mas dinheiro que era bom, vindo dela, ele nunca tinha visto a cor.
Lugar tão secreto, nem o telefone  nunca deixara para uma emergência.
Ela ia segura, sabia que ele ficava preso em suas arrumações,
tinha horário a cumprir.

Esse dia não. Foi só ela bater a porta e ele sair correndo do banheiro, pegar a câmera.
Afinal ia querer registro.
Saiu pelos fundos, se esgueirando entre varal de roupas, balanço de criança,
carrinho de mão enferrujado.
E lá ia ela no seu andarzinho de passarinha tonta, olhava pros lados como se
desconfiasse de alguma coisa.
E ele,  a sombra, seguia cada passo a distância segura.

Passou o ponto do ônibus, ela prosseguiu.
Passou a igreja,  a pracinha, o centro comercial, as casas foram rareando 
e ela seguindo em frente.
Acabou a rua de asfalto.
Agora era um caminho de terra, orlado de flores miúdas,  muitas árvores,
cheiro bom de verde.
Chegou num riacho, ora bolas, nem ele sabia daquele riachinho gramado
nas laterais. Lugar bom pra se fazer sacanagem!

Mas sacanear logo ele já era demais, pensou.

Agora pego ela e o desgraçado e acabo com a raça dos dois.

Ela calmamente, como se pressentisse público, abriu vagarosamente,
um a um, os botões do vestido. Deixou escorregar pelos ombros.
Desceu as alças do sutiã, rodou o fecho pra frente, soltou e deixou cair,
descuidado no capim. E os mamilos, tão sonegados pra ele,
descaradamente a mostra, endurecidos por pensamentos pervertidos que colocava
um riso de safadeza na cara inteira.
E ele, como um gato na folhagem, quase esquecendo a ira
e atacando aquela carne ali, pertinho,  oferecida.

Escutou passos, se encolheu mais ainda, não poderia estragar tudo agora,
melhor ver, ter certeza.
E teve!

Os dois corpos se encontraram, ela no afã de desvestir o outro corpo,
pressa e sofreguidão.

E ele com os olhos arregalados, estatelado, preso ao chão.
Mistura de susto e riso.  E alívio!

Mas e agora?

Como poderia mostrar  pro irmão as fotos das duas esposas,
a sua e a dele,  se roçando no capim?

(Elza Fraga)

Nenhum comentário:

Postar um comentário