quinta-feira, 29 de dezembro de 2016



Enquanto eu acariciava com jeitinho suas costas em afagos ‘pré-tensão’ ele me veio com esse papo estranho de massagem tântrica.
Pergunto, por não saber mesmo, que droga era isso.
E ele responde, com ar meio safado, que é uma verdadeira droga mesmo, quem faz vicia, quem recebe vicia, e todo mundo fica feliz pra sempre vendo estrelas nas calçadas, fadas e duendes passeando no arco iris das paredes do quarto,  e nuvens - em formato de coraçãozinho do facebook, desenhando o céu da tarde.
A doida aqui procura saber mais, corre atrás. Entra num curso pela internet.
Quem nunca tentou agradar a parceria atire a primeira ironia.
E eis que descubro algumas amigas de redes sociais no curso, bem, então isso deve ser negócio pra lá de sério, matuto com meus botões.
Pago o preço, pego o material em E-book, pronto, vou ser especialista.
Se funcionar como promete as instruções depois eu conto pra vocês, sucintando - claro, descobri que o negócio é coisa pra se deixar detalhes em absoluto sigilo.
Estou quase me formando, doutora com diplomação e canudo, se é que me entendem...

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

NA TERRA DO AQUI DENTRO



Aqui dentro do meu peito o terreno é estranhamente sombrio e triste, todo tomado de ervas daninhas.
Cresce só o mato, sem planejamento, sem semeadura, sem plantio de galhos, sem mão diligente e dócil a acarinhar o chão tão fértil.
Os torrões de terra aparecem nas raízes, encharcados.
Muito choro rega a indomável hera.
Muito choro rega cada pedacinho de chão.
Muito choro chorado pra dentro no escuro existente,  em leitos inimigos feito de folhas amarelas, que não trazem mais descanso de sono, não trazem mais acalanto, não trazem mais conforto, só entendem mesmo de pranto e de estender nas costas o duro da pedra.

Não há cuidado do proprietário em aparar a grama, arrancar as ervas más, fazer semeadura de flor. Deixa que cresçam espinhentas e malévolas autônomas quimeras, formando colunas onde não entra a claridade de um sol matinal, ou de uma estrela piscante, ou de um clarão de luar em frias madrugadas nascentes.
O único interesse é desbravar um minúsculo pedaço, armar a rede no espaço menos denso, se balançar um tanto, descansar até bastar, se fartar da seiva que a terra ainda oferece.
Cada vez mais rara seiva, cada vez mais agreste seiva, cada vez mais murchante seiva.
Dar pausa pra sonhar um pouco, enredar as pernas, nunca a alma, se revigorar para a busca do que nem sabe onde está, ou se existe em um outro canto.
E então mais triste do que triste era partir pra outro terreno, outra terra.
Partir que a vida é uma estrada, que leva muitas vezes a lugar nenhum.
Sem entender que nesse território aqui é que mora o viço e o vício, a consolação e a ternura, a amargura doce e a urdidura, a paz e o suplício.
Sem entender que é aqui nesse regaço cheio de mato e sombra que o sol se fará nascer num dia de festa, e as cores dominarão os muros, e as flores poderão sim invadir tudo, e tudo voltará a ser então como era.
Sem entender que é só ele chegar e entrar, dominar, esquentar, sorrir, plantar.
Estar presente em toda a trajetória.
Inventar a mais doida e linda história que alguém sequer pensou em escrever.
Esquecer as vielas paralelas, a chamada dos pássaros lá fora, as flores que se abrem convidando em outras terras, a vida que estua em carnes belas, a juventude lhe pedindo mais e mais ausência do meu regaço que é o seu recanto, do seu lugar que é o meu profundo peito apertado, e quente, e aconchegante.
Esquecer os outros colos, outras pernas, outras matas, outras regas.
E se deixar ficar na rede agora eterna.
E sorrir, e cuidar, e fazer do indomado mato um jardim, e semear seus braços no ‘aqui dentro’, e enfim plantar o seu único jardim
em mim!

[elza fraga]